Histórias de Capelania – As TVs e a Suicida
Tenho observado que quando ministramos nosso Curso Intensivo de Capelania em igrejas, existe grande curiosidade sobre histórias de acontecimentos na pratica da Capelania.
Temos ouvido muitas histórias interessantes e nós mesmos já temos vivenciado a muitas, algumas das quais utilizamos como ilustração em nossos cursos.
Atendendo a alguns pedidos vamos contar algumas experiências vividas em nosso ministério.
Em um Hospital em Rondônia, na cidade de Vilhena, realizávamos regularmente um trabalho de Capelania, mesmo em meio a outra atividade que era a de cuidar de um Orfanato.
No Hospital Regional da Cidade de Vilhena trabalhávamos mais intensamente com crianças.
Nem tudo na Capelania é um “mar de rosas”, até por isso costumamos em nossos cursos advertir a que não se tenha uma postura romântica na ação social, mas realista.
Com as crianças levávamos fantoches, mágicas, violão, desenhos e histórias bíblicas.
Certa feita, lá pelos idos de 1988 e quando isso não era comum como nos dias de hoje, pensei em levar uma TV e colocar no quarto das crianças, imaginei que elas ficariam mais calmas assistindo alguns programas infantis.
Até que ajudou, a princípio, e vou explicar a seguir o que aconteceu.
Uma TV colorida era muito caro naquela época, e pegamos uma TV preto e branco que tínhamos em casa e levamos para o Hospital e colocamos na Pediatria.
Ocorre porém que em algumas ocasiões que cheguei no Hospital mais a noite, me deparo com algumas enfermeiras assistindo novelas na pediatria.
Não deu muito certo pois as novelas tinham e muitas ainda tem, conteúdo impróprio parta crianças.
Eu precisava conscientizar as enfermeiras constantemente de que a TV era para uso das crianças e em horários apropriados.
Mas não desisti e imaginei que se colocássemos uma TV na recepção no hospital, onde as pessoas aguardavam tanto tempo pelo atendimento e de forma tão tensa e desconfortável, poderia bem ajudar.
O pessoal ali assistindo o “Pica Pau” até poderia distrair-se um pouco e amenizar o sofrimento.
Mas a TV na recepção precisava ser outra, maior e colorida. Lembro que naquela época eu nunca tinha tido noticia de que houvesse TV nestes ambientes.
Compartilhei com um proprietário de uma sorveteria, era uma pessoa muito querida e que ajudava o nosso Orfanato, ele tinha um filho deficiente auditivo que passava muito tempo assistindo desenhos na TV e compreendeu que a ideia da TV em uma Recepção de um Hospital poderia ser interessante, e além disso ele era membro do Comitê de Saúde da cidade.
Ele doou uma TV colorida e bem grande e eu levei para o hospital e coloquei na recepção.
Foi um sucesso, o ambiente melhorou e os xingamentos aos médicos e enfermeiras cessaram completamente.
Mas como eu mencionei nada é um “mar de rosas” e aconteceu algo muito interessante em relação a esta TV, porém está relacionado a outro fato interessante da Capelania Hospitalar.
Um certo dia, quando eu saia do trabalho de Capelania com as crianças, me deparei com uma maca que chegava e um grande alvoroço, vi passar uma jovem com respingos de sangue no lençol na altura do peito.
Perguntei de que se tratava e me informaram que fora uma tentativa de suicídio.
Fiquei impressionado ao saber que ela tinha apenas 16 anos e me perguntei o que a teria levado a tamanho desespero, me informaram ainda de que ela se utilizara de uma espingarda daquelas que se carregava pelo cano, com esferas de chumbo e pólvora, uma arma comum naquela região.
Disseram que ela teria posicionado a arma no peito e disparado com o dedo do pé.
Saí muito chocado e fui para o casa, naquela época tínhamos um Orfanato em uma região rural, nas imediações e lá minha esposa e eu morávamos com um grupo de crianças que cuidávamos.
Ao chegar, já ao entardecer, no momento do nosso devocional diário com as crianças comentei sobre o ocorrido e oramos todos por aquela jovem.
Depois de todos irem dormir, já por volta de quase meia noite eu estava sem sono e fiquei assistindo um filme de terror que estava passando.
Me lembro que em um momento de muito suspense bateram na porta e eu quase desmaiei de susto, não tínhamos vizinhos próximos senão a quase 500 metros.
Ao abrir me deparei com uma vizinha de uma chácara, e esta me pediu socorro pra levar seu filho ao Hospital.
Rapidamente me arrumei e pagamos nossa perua Rural do Orfanato e fomos para o Hospital.
Já era bem tarde e chegamos ao hospital que estava bem vazio, ao adentrar a recepção já estranhei não ver a TV grande e colorida que colocamos e em seu lugar uma pequena TV preto e branco bem pequena.
Logo veio uma enfermeira para o atendimento e passou a examinar o menino.
Eu pedi insistentemente que trouxesse um médico de plantão, mas ela continuava me ignorando e o menino não estava bem.
Não tive duvida, fui ao telefone público e chamei o membro da Comissão Municipal de Saúde, que era justamente o que também doara a TV que eu dera falta na recepção.
Em poucos minutos ele chegou e também mandou chamar o médico.
A enfermeira ficou meio sem jeito e então o meu amigo me chamou para ir junto com ele na sala onde o médico de plantão ficava.
Ele chegou e nem mesmo bateu, abriu a porta e nos deparamos com o médico deitado em sua cama e com a TV colorida e grande bem diante de si, assistindo tranquilamente.
Me lembro que era um médico boliviano ou chileno, ele estava me fuzilando com os olhos e o meu amigo logo mandou ele atender o menino e mandou a mim pegar a enorme TV com ele e levar de volta para a recepção.
Viram como não é tudo “mar de rosas” a capelania hospitalar?
O médico foi atender ao menino e meu amigo foi embora.
Me dei conta então de que estava novamente no hospital e me perguntei como estaria a jovem que tentou suicídio.
Eu não costumava visitar alas femininas sem minha esposa, mas entendi que de alguma forma eu não estava de volta ali por acaso e fui até o quarto onde a vi colocarem durante a tarde.
Ela estava sozinha, e do mesmo jeito que a vi entrar algumas horas antes, sob um lençol respingado de sangue, vindo a saber depois que apenas lhe tinham dado um sedativo por acreditar que ela não sobreviveria.
Entrei e olhei o rosto da jovem e nem sabia se ela estava viva.
Fiz uma oração silenciosa a seu lado e repentinamente ela abriu os olhos grandes e azuis e me encarou desconfiada me pedindo que lhe desse água.
Sei que não podemos dar água a um paciente ferido sem o consentimento de médicos ou enfermeiras pois devido a ferimentos podem haver complicações, mas ela repetiu várias vezes “Tio me dá água!”.
Respondi que não podia fazer isso sem permissão dos médicos e ela começou a me xingar, cheia de rancor e ódio.
Mais um pouco e me perguntou se eu era enfermeiro, eu disse que não, perguntou se eu era médico, e eu disse que não novamente.
Eu então disse a ela: “Filhinha, porque você fez isso, peça perdão a Deus!”.
Quase que de imediato ela começou a delirar e dizia: “Entra, vou fazer um cafezinho pra você…” e falava como se estivesse em algum lugar com alguma pessoa, coisas sem sentido algum.
Em meio a estas frases desconexas e mesmo em meio aquele delírio ela disse uma que me surpreendeu: “Meu Deus, o que eu fiz… me perdoe.”
Fora deixada para morrer, mas senti que deveria fazer algo por ela.
Me dirigi à recepção do Hospital, a TV já estava lá novamente, o médico continuava a me fuzilar com os olhos, o menino já fora tratado e muito bem tratado, peguei ele minha vizinha e os levei em casa.
Retornei para casa e planejava o que fazer para salvar a vida daquela jovem que estava com o peito cheio de chumbo e largada para morrer.
Mal amanheceu o dia eu fui até a prefeitura da cidade e solicitei uma ambulância para levar a menina para a cidade de Cuiabá, em Mato Grosso, cerca de 700 Km.
Com muita briga conseguimos a Ambulância Caravam, mas e agora, o que eu faria, a jovem não poderia ir desacompanhada.
Não tive duvida e mesmo sem dinheiro ou alguém para apoiar em Cuiabá, minha esposa arrumou uma trouxinha de roupas e coloquei-a na Ambulância junto com a jovem desconhecida que agora já não mais falava ou abria os olhos, parecia mesmo agonizar.
Assim que a ambulância saiu fui orar a Deus pra saber como seria a chegada em Cuiabá, e me lembrei que alguns anos antes eu tivera a alegria de ganhar um jovem nissei para Jesus e este jovem frequentava a Igreja Assembléia de Deus Nipo Brasileira, na ocasião no Bairro da Liberdade em São Paulo, dirigida pelo pastor Takayama e quando conversei uma vez com esse pastor ele me dissera que tinha um irmão dele que morava em Cuiabá.
Liguei para o Pr. Takayama de São Paulo, contei a ele e pedi o telefone do irmão dele em Cuiabá.
Ao ligar para Itsuo Takayama, que era um engenheiro e também evangélico, expliquei a ele e ele prontamente deu todo o apoio a minha esposa durante a semana em que ela ficou em Cuiabá cuidando da menina.
A jovem, assim que chegou ao hospital foi imediatamente submetida a uma cirurgia quando removeram 17 estilhaços do seu peito e precisaram deixar mais alguns que não puderam extrair por causar maior risco ao coração.
A jovem sobreviveu, graças a Deus.
Ficou internada em Cuiabá uma semana e depois retornou e ficou mais uma semana no Hospital de Vilhena, ao sair não tinha para onde ir, apenas 16 anos e sem pais, ficou conosco no Orfanato enquanto o Orfanato existiu naquela cidade.
Capelania é uma grande aventura e por isso este texto que compartilhei fará parte do Livro que estamos escrevendo: Lar da Criança, Uma Aventura de Fé
Dentre tantas outras experiências que tivemos especificamente na Capelania Hospitalar esta para mim é uma das mais marcantes e espero que possa edificar a sua vida e levá-lo a imaginar que precisamos estar nestes lugares nestes momentos de tanta adversidade, mesmo enfrentando os que trabalham contrariamente, sabotando as nossas boas intenções não devemos desanimar.
Comente e relate aqui também as suas experiências, se desejar saber sobre nosso Curso a Distância de Capelania Hospitalar Clique aqui ou na imagem abaixo.
Pr. Daniel Ferreira
secretaria@ageas.com.br